A menina de 6 anos carregou pela vida o trauma de testemunhar a violência contra a sua família. Aquele fatídico golpe de 1964 a acompanhou para sempre. As vistosas fardas, os barulhentos coturnos, os gritos ameaçadores, a truculência jamais vista. O pai sendo arrastado, e um sentimento irrecuperável de perda… Foi uma espera angustiada até que um dia seu Delfino retornou. Porém, quando chegou, já não era o mesmo. A paz daquela casa no interior do Rio Grande do Sul, nunca mais voltou a ser como antes. Mais de seis décadas passadas, e a história da ditadura militar ainda é vista por estreitas aberturas que jamais se abriram totalmente, e os criminosos dos porões e gabinetes do poder que traiu o povo brasileiro e o penalizou com trevas no horizonte, permanecem impunes. Contudo, com o autobiográfico 1964: um olhar pela fresta e a sua verdade, Gelcí não só preserva a memória, mas lança luz sobre entulhos autoritários a serem removidos de um caminho ainda a ser trilhado. Nelson Rolim de Moura (…) vivia a plenitude de uma infância feliz, até tudo ser interrompido por homens ferozes usando coturnos, que invadiram sua casa e arrancaram seu pai de sua vida, transformando o dia em uma noite que não amanheceu. Foram meses sem notícias do pai brincalhão, sorridente, contador de histórias, que gostava de dançar e conversar. Ele voltou, mas voltou pela metade. Voltou quebrado. (…) A ditadura militar apagou, no lar da pequena Gelcí, a luz que ficava acesa no corredor durante a noite, garantindo proteção. Transformou sua vida em um pesadelo do qual não era possível acordar. E mesmo que acordasse, para onde correria pedindo abrigo? Seu pai querido não estava mais lá. Jana Lauxen Essa firme determinação em defesa da democracia, da liberdade e pela construção da cidadania plena nos serve de estímulo para nunca desistirmos de lutar por nossos ideais, uma vez que sempre estamos sujeitos ao retorno de movimentos golpistas, ideologicamente identificados com ideias autoritárias; ávidos pelo retorno à ditadura militar, a exemplo do ato ocorrido em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, quando esses truculentos destruíram a sede dos Três Poderes. Por tudo isso, é preciso coragem para falar, escrever e denunciar publicamente esses fatos, para que nunca mais aconteçam. A preservação da história garante que, no futuro, todos possam ter direito ao conhecimento. Lucia Camini