Duas cidades ocupam o mesmo espaço geográfico. Rígidas normas sociais de governos autoritários impedem quem mora em uma delas de enxergar as pessoas que vivem na outra. Vencedor de premiações como Arthur C. Clarke e Hugo Award, A cidade e a cidade, d e China Miéville, expõe e discute invisibilidades sociais a partir de um thriller de ficção científica que inspirou série produzida pela BBC em 2018. Quando o corpo de uma mulher é encontrado na decadente cidade de Beszel, esse parece um caso tri vial para o inspetor Borlú. À medida que a investigação avança, porém, as evidências começam a apontar para conspirações estranhas. Aos poucos descobrimos que a jovem assassinada tinha envolvimento com a agitação política e cultural entre Beszel e su a “cidade gêmea”, Ul Quoma. Ocupando o mesmo espaço geográfico, as duas nações são monitoradas por um poder secreto conhecido como “Brecha”. O habitante de uma cidade é ensinado desde a infância a “desver” a outra cidade, seus habitantes, suas constr uções e os eventos que lá ocorrem. Em ambas as cidades, ignorar a separação, mesmo sem querer, é considerado um crime terrível, ainda mais grave que cometer um assassinato. A cidade e a cidade é uma obra instigante e autêntico sobre as cidades e a conveniência de vermos apenas o que queremos: “Esta é mesmo uma obra de fantasia urbana ou uma descrição precisa da realidade das grandes metrópoles?”, indaga Carol Chiovatto no texto de orelha. Trecho “Ela estava caída perto das rampas de s kate. Nada é tão imóvel quanto os mortos. O vento mexe o cabelo deles, como estava mexendo o dela, e eles não esboçam nenhuma reação. Estava numa pose feia, com as pernas tortas, como se estivesse prestes a se levantar, os braços dobrados de modo est ranho. A cara virada para o chão. Uma mulher nova, de cabelos castanhos puxados em trancinhas despontando como plantas. Ela estava quase nua, e era triste ver sua pele lisa naquela manhã fria, não perturbada por nenhum arrepio. Usava apenas meias ras gadas, um pé calçava sapato de salto alto. Ao me ver procurando à volta, uma sargento acenou para mim de um ponto mais ao longe, de onde ela estava guardando o sapato caído. Fazia duas horas que o corpo havia sido descoberto. Eu o olhei de alto a bai xo. Prendi a respiração e me abaixei até perto da terra, para olhar melhor o rosto, mas só consegui ver um olho aberto.”