Embora não facilmente identificável, existe um fio condutor discreto, quase imperceptível, que percorre toda a extensão de Aprender a se apaixonar observando répteis. Da potente inocência que se expressa no primeiro capítulo de maneira espontânea e irresistivelmente informal, através de afetuosas lembranças de expressões regionais, dinâmicas familiares e marcantes personagens, ao inquietante existencialismo encharcado de todo tipo de desejo impresso nos escritos mais recentes, somos conduzidos por uma voz que se altera, se desafia, se acostuma a cicatrizes recém-adquiridas, descobre novos mundos e se adéqua às circunstâncias que a cercam. Seria fácil ceder à tentação de usar o adjetivo camaleônico e assim fazer uma alusão ao título sob o qual residem estes textos, mas também seria injusto, preguiçosamente reducionista com o complexo registro apresentado por Robson Ashtoffen em sua promissora estreia literária. O poder destas reflexões claramente não se limita a agir sobre o narrador. Transforma as relações, ressignifica as memórias, adéqua as expectativas sobre o que se pode esperar de uma vida que se intensifica em seus percalços a cada momento. O amor enquanto servidão, a servidão enquanto gesto de amor. A ambição sem limites de posar nu para Deus e ser condecorado o melhor dos humanos . A tocante simplicidade de sonhar com uma máquina de moer cana dentro de casa. As necessárias fugas de realidade cotidianas na constatação de que alucinamos ao beijar, chorar ou cair afinal, alucinação é a linguagem . Conviver com ideias que se assemelham a moscas inoportunas, do tipo que não vão embora facilmente. Tópicos tão distintos recebem como tratamento redirecionamentos estilísticos bruscos, imprevisíveis, assim como repentinas quebras no ritmo narrativo. Constrói-se, dessa maneira, uma biografia sinuosa e incomum, tanto em forma quanto em conteúdo. Como se o autor nos contasse sua história não através de fatos, sempre tão manipuláveis e sujeitos à censura da memória, mas ao nos apresentar quais eram seus questionamentos, percepções, paixões e anseios em diferentes momentos de seu desenvolvimento artístico e pessoal. Jair Naves