Dente de leão na boca do abismo está entre um poema imperfeito e uma prosa incompleta (embora não seja inteiramente nem uma coisa nem outra). Elaborado a partir de um sentimento de consternação perante o desespero que se impunha à realidade e a melancolia que aos poucos ocupava o tempo, a obra reflete o anseio humano de descansar o seu desafortunado cotidiano no alívio límpido de sentidos poéticos auto descritivos (embora não facilmente identificáveis). Em meio a essa euforia literária que ajudou muitos a transpor (não sem percalços) o período nebuloso da pandemia, muito se fez para obscurecer outros problemas como realidades intransponíveis, inacessíveis e irrefreáveis. Nesse passo, o livro dá conta da falta de educação formal que empurra a sociedade cada vez mais para o abismo da desigualdade: da hipocrisia que controla cada vez mais os corpos no sentido da privação moral e religiosa: da retórica que tampa cada vez mais os ouvidos com inverdades: da ignorância que cerra cada vez mais firme os olhos para a verdade: da sobretaxação de livros que afasta o ser cada vez mais da cultura: da política que segrega cada vez mais a humanidade da civilização: da fome que afunda cada vez mais a vida na vontade de morrer: do rumor de pólvora de uma 3 Guerra Mundial que estampa a cara dos jornais todos os dias com a manchete que roga, por tudo que é mais sagrado, por calma. Nesse passo caminha a sociedade, rumando para o abismo sem eco e sem vazão sobre o qual o livro busca a todos alertar. É nessa intersecção que descansa o Dente de Leão na Boca do Abismo, como um prelúdio de um vento forte que nos sopre em direção a tempos melhores ou de uma tempestade que afinal ponha abaixo o barco do mundo à funda casa a que conduz as marés. Enquanto essa dúvida paira, em indecisa contemplação, esperamos: pois é justo fazê-lo (e já não temos tempo para ter outra opção).