O bloqueio político e intelectual imposto à teoria marxista da dependência no Brasil tem dois pilares: a correlação de forças existentes na sociedade e o colonialismo intelectual predominante nas universidades. Neste ambiente podemos observar o “figurino francês”, comportamento muito frequente em certos círculos acadêmicos que se pretendem progressistas e vivem de mastigar e reproduzir, deslumbradamente, a teoria da moda nos Estados Unidos ou Europa – como se, de fato, tivessem encontrado a pedra filosofal para a solução dos problemas inerentes ao capitalismo dependente latino-americano. Tal comportamento serve para legitimar o perigoso consenso petista-tucano, segundo o qual o Brasil “já não seria mais subdesenvolvido, apenas injusto”, mas é incapaz de encontrar solução para a dependência econômica da América Latina, fonte real dos nossos problemas. Romper com a teoria liberal, compartilhada pelo consórcio “petucano” e ultra conveniente à classe dominante, é tarefa política e intelectual prioritária. *** Os ensaios aqui reunidos analisam, desde uma perspectiva crítica, as razões pelas quais a universidade brasileira jamais discutiu seriamente o programa de pesquisa sobre subdesenvolvimento e a dependência, o principal aporte do pensamento crítico latino-americano às ciências sociais. A apologia do capitalismo dependente no Brasil apareceu nos estudos sobre “capitalismo tardio” e gozou de certo prestígio, a despeito das evidentes debilidades, tanto na história quanto na teoria. Em oposição aos apologéticos, surgiu a versão progressista que jamais conseguiu superar o horizonte limitado de uma suposta “integração não subordinada à economia mundial”, como se tal fenômeno fosse realmente possível nos marcos de uma economia capitalista cindida entre países centrais e periféricos. As duas perspectivas são aparentemente opostas, mas representam caminhos pelos quais os acadêmicos combateram, no meio universitário – com certa influência nos sindicatos e partidos de esquerda -, a teoria marxista da dependência. No conjunto, a situação revela a hegemonia liberal que finalmente se impôs na esquerda nascida do duro combate à ditadura. A despeito da linguagem em alguma medida radical da esquerda nos anos 80, a verdade é que tanto a social-democracia tucana quanto o radicalismo operário petista compartilhavam a mesma perspectiva teórica na interpretação do capitalismo e, em consequência, aceitavam os limites do liberalismo no país. O bloqueio político e intelectual imposto à teoria marxista da dependência representa, por um lado, determinada correlação de forças existente na sociedade brasileira e, por outro, a força do colonialismo intelectual, mais precisamente o fenômeno que denominei “o figurino francês”, ou seja, aquele comportamento muito frequente nas universidades e em certos círculos acadêmicos sempre dedicados à busca da “novidade teórica”” europeia ou estadunidense como se de fato tivessem encontrado a pedra filosofal para a solução dos problemas inerentes ao capitalismo dependente latino-americano. No entanto, apesar do colonialismo cultural e científico que organiza a vida universitária no Brasil, é possível perceber um novo horizonte para a disputa teórica e política. O perigoso consenso, segundo o qual o Brasil “já não seria mais subdesenvolvido, mas apenas injusto” – na versão apologética do petismo, o país estaria diante da ascensão de uma nova classe média -, revela-se incapaz de encontrar solução para os males inerentes ao capitalismo dependente, como a superexploração da força de trabalho e a permanente transferência de valor para os centros metropolitanos. Em consequência, precisamente quando petistas e tucanos coincidem nos limites do liberalismo conveniente à classe dominante, círculos cada vez mais expressivos de estudantes e importantes grupos políticos retomam a perspectiva da teoria marxista da dependência e novamente alimentam os estudos sobre o programa da revolução brasileira. A revitalização de uma perspectiva crítica no interior das ciências sociais será tão lenta quanto inexorável. A ideologia segundo a qual as transformações do capitalismo contemporâneo eliminaram as diferenças entre os países centrais e os dependentes e, em consequência, cancelaram a necessidade da reflexão crítica sobre a especificidade latino-americana no interior da totalidade capitalista, não resistiu à prova do tempo. Não haverá reconstrução do radicalismo político no país sem a recuperação da tradição crítica aqui reivindicada, da mesma forma que não poderá existir uma nova práxis política sem o apoio desta potente perspectiva teórica.