O FALSO MENTIROSO: paradoxo atribuído a Euclides de Mileto (século IV a.C.), cuja forma mais simples é: se alguém afirma eu minto, e o que diz é verdade, a afirmação é falsa; e se o que diz é falso, a afirmação é verdadeira e, por isso, novamente falsa. Enciclopédia Mirador Samuel é rápido no gatilho, obsessivo e demoníaco. Na casa dos sessenta anos, é artista plástico e mora no Rio de Janeiro com a esposa surda-muda, Esmeralda, com quem tem dois filhos. O romance, somos informados, narra a história da vida intrincada desse homem. Mas será que a vida que nos é narrada pertence realmente a ele? Certos fatos das memórias de Samuel nos incentivam a identificar o narrador com o autor, Silviano Santiago. Ele nos intriga. Para piorar as coisas, o personagem se declara mentiroso: se a afirmação for verdadeira, então ele está mentindo, e o que ele declara é falso; se, no entanto, a afirmação for falsa, ele não é um mentiroso e, sim, um falso mentiroso. Mente ao dizer que mente, embora de vez em quando diga a verdade... Em que Samuel ou esse Silviano inspirado nos heterônimos de Fernando Pessoa quer que acreditemos? O falso mentiroso é um livro picaresco e divertido que brinca com a própria identidade da obra autobiográfica, ampliando com engenhosidade as controvérsias críticas relativas à divisão entre fato e ficção, e às ideias de subjetividade, autoria e representação. No percurso de sua autoanálise, o narrador astucioso de Silviano nos oferece uma versão sardônica do drama edipiano: sua ascendência incerta é o ponto de partida para a proliferação transbordante de vários eus (i)legítimos, cada um com seus próprios amores, verdades e ficções. Esse ser compósito é inevitavelmente oprimido por múltiplos pais, que de tal maneira pesam sobre ele, que acaba precisando ir ao médico para fazer tração. A narrativa de Samuel reflete sobre uma vida profissional forjada no questionamento de genealogias constrangedoras e na prática afirmativa da adoção simulada das mu