Um par de brincos, um copo, um batom, um velocípede. Objetos que compõem um museu organizado como lembrança de um caso de amor vivido por um homem trinta anos antes, em Istambul, Turquia. Pamuk, no primeiro romance escrito depois de ser laureado com o prêmio Nobel, transforma a história em um microcosmo dos dilemas sociais e morais pelos quais a Turquia passava nos anos 1970.
"Esta representação dos órgãos internos do corpo humano foi tirada de um anúncio do analgésico Paradison, exibido nas vitrines de todas as farmácias de Istambul na época, e a exponho aqui para mostrar ao visitante do museu onde a agonia do amor apareceu primeiro, onde se tornou mais pronunciada e, depois, até onde se espalhou. É preciso explicar para os leitores sem acesso a nosso museu que a dor mais acentuada manifestava-se inicialmente no quadrante superior esquerdo do estômago. À medida que se intensificava, a dor se difundia, como indica o desenho, para a cavidade situada entre os pulmões e o estômago. A essa altura, sua presença não se limitava mais ao lado esquerdo do abdome, instalava-se também no direito, e eu tinha a impressão de que enfiavam em mim a ponta de um atiçador, ou uma chave de fenda."
Kemal, homem nos seus trinta anos, descendente de uma família rica e tradicional, está prestes a se casar com Sibel, mulher inteligente e refinada. Na Turquia dos anos 1970, eles representam um casal moderno, que se arrisca a fazer sexo antes do casamento. A vida de Kemal, de fato, parece completa em todos os aspectos - financeiro, familiar e amoroso. No entanto, ao reencontrar-se com Füsun, uma prima distante de dezoito anos que trabalha como vendedora em uma boutique, toda a sua estabilidade colapsa. Ele passa a ter encontros sexuais frequentes com a jovem bela e esbelta, embora não considere romper o noivado com Sibel, a esposa perfeita aos olhos da sociedade turca. À medida que o dia do casamento se aproxima, a pressão sobre Kemal, que julgara ter tomado uma decisão muito moderna e europeia, aumenta.
A partir dessa história de desilusão, obsessão amorosa e embate entre Ocidente e Oriente, tradição e modernidade, Orhan Pamuk desenha um panorama social e cultural da Turquia. Como prova da existência de sua estreita ligação com Füsun, o narrador, que conta a história a partir do presente, está organizando um melancólico museu de objetos, que acaba sendo uma versão em miniatura dos dramas sociais da época e das relações entre homens e mulheres no país. Apesar do distanciamento cronológico, cada sofrimento e crise de ciúme do protagonista são rememorados nos mais íntimos detalhes, carregados de emoção e conduzidos com elegância pela prosa de Pamuk.
O Museu da Inocência articula o impasse que viveu a Turquia dos anos 1970 - e que ainda repercute nos dias atuais -, dividida entre impulsos ocidentalizantes e tradicionais. O estilo de Pamuk mimetiza este momento histórico, prestando uma homenagem ao mesmo tempo aos sentimentais romances do cinema popular turco e aos grandes clássicos da literatura europeia, de Goethe a Flaubert.
Orhan Pamuk nasceu em 1952, em Istambul, na Turquia. Prêmio Nobel de literatura de 2006, é autor de romances e ensaios, e foi traduzido para mais de quarenta idiomas. De sua autoria, a Companhia das Letras publicou O castelo branco, Istambul, O livro negro, A maleta do meu pai, Meu nome é vermelho, Neve e Outras cores.