Todo esburacado: o título deste segundo livro de Lauro Mesquita não poderia ser mais preciso. Coloca já de início a imagem que explícita ou implicitamente atravessa todos os poemas, a do buraco. Natural de Pouso Alegre, cidade que é citada na abertura do primeiro poema do volume, Mesquita traz impressa em sua escrita – como tema e como estrutura (talvez pudéssemos dizer mais precisamente, como tatuagem) – a marca do esburacamento da paisagem de Minas Gerais, não só pela atividade mineradora, mas também pela especulação imobiliária. É assim que ele define seu lugar de origem em “Onde estamos”: “Ali / bem lá / imagine o buraco / minha terra / é um buraco / agora / sempre foi”. Buraco é sinônimo de destruição e ruína; é também o lugar do lixão. Mesmo quando sobre o buraco se ergue uma construção, nada parece estar estabilizado. É esta a percepção de Mesquita no poema em prosa “Por onde anda”: “E nem um buraco infantil para construção de um castelo pode garantir ou explicar o fato de nossas fundações, mesmo tão sólidas, parecerem buracos”. Se, por um lado, o buraco fornece a imagem da erosão da paisagem e das coisas – “O frio se apossou / do taco solto e das / paredes naquele dia / Ultrapassou outras / estações e perfurou / buracos fundos / que mal conhecia” (“Fuga 7”) –, por outro, também sugere as falhas constitutivas do humano (vale lembrar que, em mais de uma ocasião, Georges Bataille nos recordou que somos fisicamente constituídos por dois buracos, a boca e o ânus, como se fôssemos um tubo ou, conforme também disse Vilém Flusser, um verme: a própria imagem do abismo como imagem do humano). Escreve Mesquita em “Roendo as unhas”: “Todos têm comemorado / Você segue a mesma coisa / na obrigação de ser outra coisa / A mesma coisa”. O buraco fornece ainda a estrutura do livro. Trata-se de um livro esburacado: constitutivamente intervalar, explorando a força da lacuna e do deslizamento. Há, por exemplo, duas séries espalhadas ao longo do volume, a das “Fugas” e das “Partituras”. No entanto, estas não seguem ordem numérica: a “Fuga 3” vem depois da “Fuga 1” e da “Fuga 7” e não há “Fuga” 2 ou 5 ou 6. Em “4a partitura”, talvez esteja a chave para a leitura do livro como um todo: “Um poema que se desmonta com o tempo. Partido. Tinha de ser assim”. Veronica Stigger
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