Apenas um corpo / com uma cabeça / e o que se segue / para sondar / a vertigem do infinito / a extensão do mal / as tempestades contrariadas / do amor. Estes versos, que abrem o livro Tribulações de um sonhador contumaz, estabelecem o que, para Abdellatif Laâbi, é um poeta (“apenas um corpo”), o que faz um poeta (“sondar”), e quais os objetos de sua sondagem. Essas três dimensões, que, como em toda grande poesia, aparecem muitas vezes embaralhadas, ora se apresentam nos acidentes mais cotidianos, ora em extraordinárias meditações, como na série “A parada da confidência”, onde frente a um deserto – e suas “ficções”, como escreveu o poeta, suas construções reificadas – sob as estrelas, tendo como companhia a música de Miles Davis (cuja presença é permitida apenas porque seu trompete “remexia em uma memória fragmentada da espécie à procura de um alfabeto perdido que ninguém mais se importa em decifrar”), Laâbi realiza uma viagem cósmica poucas vezes vista na poesia. Por fim, a palavra que melhor descreve sua situação na condição humana pertence à língua árabe. Gharib: ser do exílio, estranho aos outros, muitas vezes a si mesmo, desertor do senso comum, escultor da lacuna, habitante da margem, acostumado às ausências, jardineiro dos confins da solidão. Mais um sonhador, então!Christiane Michelin, nasce desse percurso: o da poeta que, após a perda do pai, recolhe-se ao escuro e, pouco a pouco, reencontra a claridade pela escrita. Organizado segundo as fases da lua, o livro é também uma jornada interior. Em versos que fundem dor, memória e encantamento, Christiane nos conduz por paisagens íntimas onde saudade, fé, natureza e ancestralidade se entrelaçam. Com sensibilidade e vigor, a poeta toca feridas, mas não se rende ao desalento. Suas palavras dançam entre a leveza da bruma e a contundência do cerol, sempre em busca do “mergulho mais profundo no centro do mundo”. E ali, no cerne da dor, ela encontra poesia – e com ela, a esperança. O levante do sol é um livro sobre recomeços. Um convite a “seguir adiante em direção ao levante do sol”, mesmo quando tudo escurece. Porque, como escreve Christiane, “a morte? é simplesmente o começo da vida / do outro lado da ponte”
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